A Face oculta do mercado financeiro: A alta do dólar revela um conflito distributivo no Brasil, com especuladores buscando manter privilégios.
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Cédulas de dólar e real - Foto: Jorge Araujo/ Fotos Públicas |
Ou uma análise crítica da conjuntura econômica e do papel do mercado financeiro
Por Alexandre Motta*
A recente escalada do dólar frente ao real tem gerado debates e preocupações sobre a saúde da economia brasileira. Em meio a diversas análises, destaca-se a perspectiva apresentada por Kupfer, que aponta para um conflito distributivo como um dos principais catalisadores desse cenário. Concordo em grande parte com a análise de Kupfer, que identifica corretamente a questão do conflito distributivo como central para entendermos a atual conjuntura cambial. No entanto, divirjo de uma premissa implícita em seu argumento: a de que o mercado estaria sempre focado em ganhos, sem disposição para arcar com perdas, ainda que momentâneas.
Como apontado no artigo do colunista do UOL José Paulo Kupfer (Crise do dólar não reflete realidade econômica, mas conflito pobres x ricos), o governo sinalizou a intenção de implementar uma tributação mínima para altas rendas, acima de R$ 50 mil mensais. Essa medida, ainda sem detalhes concretos, deflagrou um movimento preventivo de realocação de recursos, com a conversão de reais em dólares e a remessa para o exterior. Tal movimento exerce pressão sobre a cotação da moeda americana, contribuindo para a sua alta.
Kupfer argumenta que a narrativa de uma "crise fiscal" é exagerada, e os dados corroboram essa visão. Os indicadores econômicos, como o crescimento do PIB e a dívida líquida, apresentam resultados melhores do que as projeções iniciais do ano. O desemprego se mantém em níveis mínimos e a renda demonstra sustentação. A inflação, embora tenha apresentado um leve aumento, ainda se encontra dentro das margens toleráveis do sistema de metas.
Apesar da melhora em alguns indicadores, a dívida pública bruta continua em ascensão, impulsionada principalmente pelos juros oferecidos pelo Tesouro Nacional para rolar seus compromissos. No entanto, mesmo considerando esse cenário, a dívida pública brasileira não se encontra em níveis alarmantes quando comparada a outros países.
Concordo com Kupfer quando ele destaca que a estrutura de gastos públicos é engessada e que há um excesso de isenções e desonerações que não geram benefícios significativos para a economia e o bem-estar social. Além disso, o Congresso Nacional, com sua postura reacionária e a proliferação de "pautas-bomba" fiscais, dificulta ainda mais a busca por um equilíbrio fiscal.
A raiz do problema, segundo Kupfer, reside na promessa de campanha do presidente Lula de "incluir o pobre no Orçamento e o rico no Imposto de Renda". Essa proposta, que visa interferir no conflito distributivo, enfrenta forte resistência de setores da sociedade, como a "Faria Lima", que busca reduzir os gastos sociais sob o pretexto de uma "crise fiscal".
A pressão sobre o dólar, portanto, reflete esse conflito distributivo, com a remessa de dividendos para o exterior como uma manobra preventiva para evitar a tributação das altas rendas. A atual conjuntura cambial, portanto, explicita o conflito distributivo latente na sociedade brasileira. Contudo, é importante ressaltar que este é apenas mais um episódio dentro de um histórico de disputas.
Discordo, no entanto, da premissa implícita de que o mercado busca "sempre" ganhos e não estaria disposto a ter perdas, ainda que momentâneas. Talvez essa premissa fizesse sentido para um mercado financeiro menos desenvolvido, de décadas atrás.
Nos últimos 20 anos, a realidade é outra. A especulação deixou de ser um componente marginal da economia brasileira. Impulsionados pela isenção tributária sobre ganhos financeiros, esses atores se consolidaram como a ponta de lança do conservadorismo econômico nacional.
Seu objetivo não é "apenas" uma fatia do Orçamento Geral da União (OGU). Se possível, eles almejam apropriação total do orçamento federal. É determinante estarmos vigilantes a essa dinâmica. A especulação, alimentada pela isenção tributária, se tornou um poderoso instrumento de pressão e desestabilização, buscando não apenas o lucro, mas também a manutenção de privilégios e aprofundamento das desigualdades.
*Alexandre Motta é Economista, Mestre em Desenvolvimento Econômico, com sólida experiência nas Áreas de Finanças e Administração Pública.
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