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Opinião: Os BRICS, o BRICS Pay, o Dólar e Donald Trump

João Alfredo Lopes Nyegray* O dólar tornou-se central no comércio internacional após a Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos emer...

João Alfredo Lopes Nyegray*


O dólar tornou-se central no comércio internacional após a Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos emergiram como a maior potência econômica mundial. A criação do sistema de Bretton Woods, em 1944, estabeleceu o dólar como a moeda de reserva global, vinculado ao ouro, enquanto outras moedas estavam atreladas ao dólar. Embora o padrão-ouro tenha sido abandonado em 1971, o papel do dólar como moeda dominante persistiu.

Os Estados Unidos possuem um mercado financeiro profundo, líquido e confiável. A confiança no sistema financeiro americano, somada à estabilidade política e jurídica do país, torna o dólar uma moeda atrativa tanto para reserva de valor quanto para transações comerciais. O domínio do dólar também reflete o poder geopolítico dos EUA. A capacidade do país de impor sanções financeiras e controlar transações internacionais por meio do sistema bancário global, como a SWIFT, solidifica o dólar como a principal moeda global.

Buscando alternativas a essa predominância da moeda estadunidense, surge o BRICS Pay. Essa iniciativa faz parte de um esforço maior dos países do bloco para contornar a hegemonia do dólar e as vulnerabilidades associadas à dependência do sistema financeiro dominado pelos Estados Unidos. A imposição de sanções unilaterais por parte dos EUA, como no caso da Rússia, expôs o risco de exclusão de países do sistema financeiro global, incluindo a desconexão do SWIFT. Susan Strange, em States and Markets, destaca como a dependência de um sistema financeiro centralizado pode criar vulnerabilidades para estados periféricos ou adversários de uma potência hegemônica.

Nesse contexto, o BRICS Pay reflete o desejo dos membros do BRICS de reformar a governança econômica global e criar uma ordem mais multipolar. A iniciativa faz parte de um movimento mais amplo que inclui o desenvolvimento do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e discussões sobre a criação de uma moeda comum do bloco. O desenvolvimento do BRICS Pay aproveita a crescente digitalização das economias e os avanços em tecnologias de pagamento, como o blockchain. Esses avanços permitem maior transparência, segurança e eficiência nas transações internacionais.

Se bem-sucedido, o BRICS Pay pode enfraquecer a posição do dólar como principal moeda de comércio internacional. A adoção de uma moeda alternativa ou o uso de moedas locais nas transações reduz a demanda por dólares e limita o alcance do poder econômico dos EUA. Segundo Eichengreen, em Exorbitant Privilege, a demanda global por dólares proporciona aos EUA um "privilégio exorbitante", permitindo financiar déficits a custos mais baixos. A redução dessa demanda pode aumentar os custos de financiamento para os EUA e redistribuir poder econômico globalmente.

Ao reduzir a dependência de sistemas financeiros ocidentais, países como Rússia e China podem evitar sanções unilaterais e exercer maior autonomia em suas políticas externas e econômicas. Além disso, a digitalização dos pagamentos também facilita a inclusão de economias locais em transações globais. É nesse cenário a reação de Donald Trump: produtos provenientes dos países do BRICS seriam taxados em 100% caso o bloco adote uma moeda alternativa ao dólar.

A reação de Trump deve ser entendida no contexto de sua visão "America First", que enfatiza o protecionismo comercial e a preservação dos interesses estratégicos dos EUA. O dólar é uma peça central da hegemonia econômica americana, oferecendo vantagens como o "privilégio exorbitante". Do ponto de vista econômico, a ameaça de uma tarifa de 100% representa um movimento protecionista extremo, com potencial para desestabilizar cadeias globais de valor e prejudicar tanto exportadores quanto consumidores americanos. Paul Krugman, em Pop Internationalism, argumenta que barreiras comerciais severas podem gerar efeitos adversos, minando a competitividade econômica e isolando o país que as impõe.

A postura de Trump pode exacerbar o movimento de afastamento de países emergentes do sistema financeiro liderado pelos EUA. Ao tornar evidente os custos da dependência do dólar, suas ações podem, involuntariamente, acelerar a busca por alternativas financeiras. A questão que surge, então, é: os EUA poderiam impor uma tarifa de 100% de forma abrupta aos países do BRICS? A resposta é um sonoro não. De acordo com o Artigo I do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) de 1994, os membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) devem conceder tratamento igual a todos os outros membros em relação a tarifas, impostos e regulações no comércio. Ou seja, se os EUA decidissem aplicar uma tarifa de 100% aos países do BRICS, mas não a outros, estariam violando esse princípio.

Sob o GATT, os membros da OMC consolidam suas tarifas máximas (bound tariffs) como compromissos vinculativos. Isso significa que os EUA, como membro da OMC, não podem aplicar tarifas além dos limites previamente negociados e acordados, exceto em circunstâncias muito específicas. Caso os EUA implementassem tais tarifas, os países afetados poderiam contestar a medida no sistema de solução de controvérsias da OMC. Esse mecanismo permite que um painel avalie se a medida está em conformidade com as obrigações assumidas pelos EUA. Em outras palavras: queira Trump ou não, o multilateralismo veio para ficar — para o bem ou para o mal.

*João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior e do Observatório Global da Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray

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