Com receio de perder votos, pré-candidatos defendem ampliação do programa de transferência de renda
Com receio de perder votos, pré-candidatos defendem ampliação do programa de transferência de renda
Raymundo Costa e Leandra Peres de BrasíliaHá exatamente um ano, boatos sobre o fim do Bolsa Família provocaram uma corrida dos beneficiários do programa às agências da Caixa Econômica Federal. Apenas em um fim de semana foram sacados cerca de R$ 152 milhões em benefícios, num total de 900 mil saques - cinco vezes mais que o padrão. O governo acusou a oposição de espalhar os rumores e a Polícia Federal abriu uma investigação para apurar a origem dos
boatos. Deu em nada, mas o incidente ajuda a explicar por que o Bolsa Família entrou na agenda dos principais candidatos à Presidência, nas eleições de outubro, antes mesmo do início oficial da campanha, o que só ocorre em julho.
Especialistas em disputas eleitorais como o cientista político Antônio Lavareda avaliam que o Bolsa Família perdeu importância como ativo eleitoral. Passados pouco mais de dez anos, desde a sua criação, o programa teria virado uma espécie de commodity de todos os candidatos, como aconteceu com o Plano Real, importante para a reeleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em 1998, programa de estabilização que outro ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, não hesitou em adotar, para viabilizar sua eleição em 2002.
A cinco meses da eleição, os três principais candidatos na corrida sucessória já abraçaram o Bolsa Família. Se o programa já não influencia tanto o voto do eleitor, ser identificado como alguém que é contrário à sua manutenção pode destruir qualquer candidatura. Por essa razão o senador Aécio Neves e o ex-governador Eduardo Campos, os candidatos do PSDB e do PSB, respectivamente, trataram de logo se comprometer não só com a manutenção do Bolsa Famí lia, como também com melhorias e até a ampliação do programa pa ra atender 25 milhões cle famílias atualmente, o Bolsa Família atende 14,1 milhões de famílias, a um custo estimado de R$ 24,7 bilhões (leia o quadro).
Assediada pela oposição, com
dificuldades nas pesquisas de opinião e sem um robusto crescimento econômico para exibir na campanha, como aconteceu em 2010,
a presidente Dilma Rousseff não
hesitou em recorrer ao poder da
caneta para assegurar um eleitora
do que o PT considera cativo - o de
beneficiários do Bolsa Família.
Num lance que surpreendeu até os técnicos encarregados da execução do programa, a presidente
anunciou um aumento linear de
10% aos benefícios da bolsa - percentual generoso, acima da inflação, atualmente próxima 6,5%.
A proposta que chegou à mesa
de Dilma previa a correção de 10%
na linha da extrema pobreza, de R$
70 para R$ 77. Com isso, nenhuma
família receberia menos do que R$
77, o valor mínimo estabelecido
pela ONU nas metas do milênio. O
impacto no orçamento deste ano
(sete meses) seria de R$ 1,089 bilhão. No próximo ano, de R$ 1,867
bilhão. Dilma, no entanto, decidiu
estender o reajuste para todas as
bolsas pagas pelo governo, o que
elevou o custo deste ano para R$ 1,7
bilhão. A oposição acusou o golpe:
Aécio chamou Dilma de mentirosa,
e Campos a acusou de “enxugar gelo”, quando reajusta o valor da bol
sa sem conter a inflação.
“A presidente da República, infelizmentemente, mente aos brasileiros
no momento em que diz que o reajuste de 10% no Bolsa Família permite que a remuneração alcance
aquele patamar mínimo estabele
cido pela ONU, de US$ 1,25 por dia,
com uma renda mínima para se estar acima da linha da pobreza”, disse Aécio num ato comemorativo
do 1 de Maio promovido pela Força Sindical, central engajada em
sua candidatura a presidente. “O
valor teria que chegar a R$ 83 e não
a R$ 77”, afirmou, num cálculo baseado na cotação do dia do dólar.
Coordenador do programa de
governo de Eduardo Campos, o ex deputado Maurício Rands, que foi
do PT e agora está no PSB, entendeu a generosidade de Dilma como um reconhecimento e uma
resposta da presidente ao projeto
do PSB de ampliar para 25 milhões
o número de famílias atendidas
pelo Bolsa Família. A conta é simples: o número de famílias cadastradas com renda mensal percapita de até meio salário mínimo é de
24,3 milhões, de um total de 27,2
milhões registradas no Cadastro
Único, em janeiro deste ano. “É
possível a inclusão imediata de
mais 10,2 milhões de famílias no
programa”, diz Maurício Rands. A
tendência do atual governo é manter estável o número de beneficiá
rios, porque não se sabe como a
economia responderá em 2015.
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Para não deixar dúvidas sobre e suas intenções em relação ao Bolsa Família, o senador Aécio Neves apresentou dois projetos ao Congresso: Ío primeiro' transforma o programa numa política de Estado e o segundo cria uma regra de permanência ' no programa, » por até seis meses, do beneficiário que ultrapasse o patamar de renda exigido pelo Bolsa Família.
Em um país pobre como o Brasil, o Bolsa Família precisa deixar a condição de uma política de governo para torná-la uma política de Estado", diz o senador Aécio Neves. Só assim, argumenta o tucano, o benefício será "garantido independentemente de quem esteja à frente do Palácio do Planalto, o que possibilitará o fim da danosa apropriação do programa e a intensa exploração eleitoral que sempre se deu em torno dele".
A rigor, o Bolsa Família hoje jã é garantido por uma lei. As regras atuais também permitem ao beneficiário que aumentar a renda até meio salário mínimo per capita mês continue até dois anos no Bolsa Família. Na folha de pagamentos de abril, havia 1.266.420 famílias na regra de permanência, das quais 936.502 (74%) estavam nessa condição havia mais de seis meses. A inclusão do programa na Lei Orgânica ,de Assistência Social (Loas), como quer Aécio, poderia desfigurar um programa que não é assistencialista, pelo menos do ponto de vista do governo, mas de inclusão social. O mérito está na discussão, cuja urgência é ditada de fato pela eleição, mas já não admite dúvida política ou econômica sobre a transferência de renda como um meio de inclusão.
Fonte: Valor Econômico
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